Levanto-me de um salto, as fotografias e as folhas de papel caem no chão. Visto o casaco e saio, percorro a passos largos, o largo da feira de Sintra.
Dentro do carro,olho para o céu, reluz como um espelho, atrás de mim está um casal de namorados. Não tive coragem para ir a casa do Professor Lucas, não tive coragem para o olhar de frente. Os meus sentimentos mudam a cada minuto, primeiro parece-me que tenho dentro de mim um mundo muito terno. Apetecia-me dizer que ficava com ele e, no fim via a sua reacção de espanto de alegria - , mas logo depois esse pensamento passa a ser um peso medonho, algo que me esmaga, e não me deixa respirar.
Tenho medo do compromisso, da canseira da responsabilidade: queria uma vida sem limites nem barreiras e de repente volto a fechar-me na jaula claustrofóbica da minha vidinha sem sonhos, e resignada.
Enquanto andava, senti necessidade de me afastar das minhas memórias, da minha vida.Subi a serra, o céu cinzento pareciam sombras ocultas no mato, apetecia-me deitar nas profundezas das folhas húmidas da serra, para limpar os detritos, as sombras, para me purificar, andei muito tempo a pé até me cansar. Outras vezes, sentia a necessidade de subir, de chegar a um sítio onde meu olhar pudesse perder-se para lá do horizonte. Pensava!!!Para lá da nossa vontade, das nossas fragilidades, dos nossos planos, mesmo restritos, existirá Alguém, alguma coisa que gere o grande ciclo da vida? Porque tinha nascido eu.
Subia e descia pelos carreiros pedregosos: à minha passagem, as lagartixas esgueiravam-se como setas. Uma lagartixa que nasce, dizia para comigo, ela e eu só se pode distinguir dos seus semelhantes pela habilidade de nos manter-mos o mais possível neste mundo? E não será porventura esse abismo de potencialidade que nos aterra e nos sugere a impotência da nossa visão? E eu porque motivo tinha vindo ao mundo? Para vir a ser o quê?
Esse longo passeio deram-me forças para continuar a minha busca espiritual, uma tarde de chuva, levantara-se um pequeno vento, a temperatura baixara e a humidade caia, cobrindo a paisagem de uma luz Outonal. Desci a serra, o pior momento era a noite. Sózinha em casa era como uma tela forrada, um lugar atrás do qual posso esconder as coisas. É o que acontece aos sapos: em Fevereiro, encontram-se nos charcos e, em Março, voltam para os bosques, deixando lá os ovos. Todavia, um sapo não pergunta a si mesmo: quem sou eu, que sentido tem a minha vida?