sábado, outubro 23, 2004

A caminho de África

1970 Desde aquele dia de Março, em que deixei preso o meu pai no tribunal da Boa Hora, para ir para África, até ao dia em que foi solto, não tive um momento de repouso.
A vontade que eu tinha de ir, era neutralizada por vezes por oposição de família. Que luta que travei entre essas duas ideias que se chocavam, mas sem decisão definitiva!... Noites terríveis sem dormir. Quando às vezes o sono se apossava dos nervos um tanto exaustos, o espírito debatia-se com pesadelos. Eu queria ir para África, mas aquela ideia fixa, aquele desejo insensato, tudo venceu. Ninguém me separaria do meu filho, era a única coisa boa que eu tinha - apesar da minha tenra idade ele era meu e também me amava. Quão caro paguei aquela aventura!... Quantas horas amargas já passadas e quantas terei que passar!... Só tarde pensei em tudo isto.

A minha gravidez de 3 meses, era uma barafunda tremenda. Eu andava cheia de nervos e sempre a vomitar, a cada momento eu me lastimava, tentava encontrar razões para não partir, mas o medo de perder meu filho por ser mãe solteira, eu andava obcecada e só via um caminho África.

O Principe Perfeito, a bordo do qual embarquei, tinha içado o sinal de partida, quando cheguei à muralha. O cais estava apinhado de gente que vinha despedir-se dos que partiam. Entre a multidão abraçada ao meu filho, ninguem se encontrava para nos dar um abraço de despedida. às 13 horas embarcamos , meus olhos marejados de lágrimas, porque eu sentia que estava só meu filho Fernando e grávida de Lourdes Maria, nunca como aquele dia, eu senti, o choque daquele momento. Encostada à amurada, a vista por vezes marejada de lágrimas, eu sentia o coração pulsar desordenadamente. Só uma coisa me preocupava naquele momento - a família. Não a que ficava, mas aquela que eu arrastava para a eventura. A comoção atinge o auge. É então que a realidade se apresenta sem rodeios. Lágrimas teimosas escaldantes pelas faces. Os que ficam começam a debandar, e para nós o primeiro dia de aventura começa.

Cheia de vida, e de fé no futuro, corria-me a esperança de melhores dias. O meu camarote em 2ª classe , o nº 36. A bordo, após três ou quatro dias todos se conhecem. Começam as confidências, e com elas a familiarização. Para mim foi o inferno, 9 dias sempre a vomitar, fiz amigos, e todos os dias logo pela manhã tinha a primeira visita era seguida de pequeno almoço e muito carinho.
Enfim, uns dias melhores outros piores lá fui suportando a cruz que a sociedade me impusera. É assim a vida. Mas duma coisa eu tinha a certeza, eu fugiria para o inferno, mas meu filho era meu - ninguém mo tirava.

Memórias de uma criança adolescente. Por razões pessoais foi obrigada a fugir com seu filho e grávida de outro para África, pelo risco de lhe tirarem os filhos, e pelo motivo de ser mãe solteira. O grave foi na época não permitirem o casamento com o pai dos seus filhos, por ter uma condição social inferior.

1 comentário:

Adriano disse...

Memórias tocantes e que marcam. Relato de uma realidade de outrora e que mostram coragem e resiliência!