sexta-feira, dezembro 22, 2006

Saber amar e saber perdoar

Por vezes existe como uma mágoa secreta que nos persegue, e que vai espalhando as suas raízes na nossa profundidade interior, perturbando-nos e retirando-nos a serenidade, devido a algum ressentimento aguardado, alguma ofensa engolida, alguma perda sofrida que não fomos capazes de superar.
Muitas vezes as nossas ansiedades tranformam-se em medos ou fobias, em preocupações ou frustrações, em traumas e inseguranças, geradoras de mal estar, que desequilibram emocional e afectivamente. Por isso sentimo-nos desgastados, vulneráveis, fragilizados...sem energia e, por vezes, até mesmo escravizados.
Só na medida em que formos capazes de amar a realidade que nos feriu, atravéz de um vivo sentimento de perdão, seremos capazes de voltar ao estado de paz original, que saudosamente recordamos, em vezes de remoermos o que nos aconteceu, o que leva à magoa.
O perdão é libertador e tem um poder terapêutico enorme, capaz de fazer experimentar o gosto da alegria de nos sentirmos libertos, autónomos, autênticos, assertivos e, por isso, felizes. Não podemos permitir que os nossos males passados nos continuem a deixar prostrados e nos roubem o entusiasmo pela vida, tornando-nos pessoas azedas e frias, quando temos uma vida para nos fazer apaixonar.
Devemos apaixonar-nos por cada instante do quotidiano, pelo brilho do sol, ou pelas ondas do mar, pelo encanto das manhãs radiosas, ou pelo mais belo pôr-do -sol...pelo sorriso ou pelo toque que partilhamos, pela palavra que escutamos ou dizemos, pelo abraço que nos faz sentir bem, pela ternura que sentimos e fazemos sentir...
A vida tem que ser acolhida, recebida, criada e recriada em cada instante, de forma a torná-la mais completa e saudável, cultivando a sua aceitação, através de uma apredizagem feita de avanços e recuos, valorizando sempre o aqui e agora. A aceitação dos factos inevitáveis não nos deixa gastar energias inutilmente e permite-nos agradecer o que a vida dá tornando-a mais fluida e positiva, olhando e valorizando o que temos e não desejando o que é dos outros.
O perdão libertador, nascido num coração que sabe amar verdadeiramente, é tanto mais fácil e autêntico, quanto maior a capacidade de amar e mantém aberta a porta por estar, dando graças.
Esta gratidão pelo dom da vida que gratuitamente, nos foi dado por Deus, abre-nos as portas ao principio da partilha dos nossos talentos, postos render em nosso serviço e ao serviço dos outros.

Aqui escrevo o que realmente me vai na alma. Que todos possam ser felizes para todo o sempre, porque o ontem não voltará, e o amanhã talvez não chegará.

Dedico estes pensamentos, a alguém muito especial. Alguém que não está entre os vivos, mas seu espírito anda sempre por perto. Sua protecção , seu carinho e amor, fazem-me sentir uma pessoa especial. Essa pessoa é minha mãe...estes pensamentos eram os dela.

terça-feira, dezembro 19, 2006

Os melhores momentos

É Natal. Estamos chegando a um começo de um novo ano. Abro a minha caixa dourada, onde leio as minhas palavras escritas durante o ano, quando falo com Deus?

Cada frase escrita representa um dia, e tudo o que desejo nesse mesmo ano.

-Rir até doer a barriga.
-Encontrar milhares de mails dos amigos.
-Passear por algum lugar lindo.
-Escutar a canção favorita da radio.
-Deitar na cama e ouvir a chuva lá fora.
-Sair do duche e ter a toalha quente.
-Receber uma chamada de alguém que não vejo hà muito tempo.
-Uma boa conversa.
-Encontrar dinheiro nos livros que não leio há muito tempo.
-Rir de mim mesma.
-Rir sem motivos.
-Escutar acidentalmente que alguém fala bem de mim.
-Acordar e dar conta que ainda posso dormir um par de horas.
-Escutar a canção que me recorda"aquela pessoa especial".
-Fazer parte de uma boa equipa.
-O primeiro beijo.

-A primeira vez de algo signifcativo.
-Fazer novos e bons amigos.
-Sentir cócegas na barriga cada vêz que vejo a tal " pessoa".
-Passar um bocado com os melhores amigos.
-Ver felizes as pessoas que amo.
-Sentir o perfume da pessoa que amo.
-Ver um velho amigo e sentir que as coisas mudaram.
-Olhar um pôr do sol.
-Ter alguém que me diga todos os dias que me ama.


O dinheiro ajuda , mas não traz felicidade. Como explicar o amor.
Ele está dentro da minha caixa dourada? Dentro do meu coração.

quinta-feira, dezembro 07, 2006

PERGUNTAS

Quando regresso mentalmente à casa, vejo-a suspensa na luz da madrugada. É ainda Outono porque, o sob a tepidez dos primeiros raios, o solo começa a fumegar e a neblina vai subindo. Vejo-a sempre de cima e de longe, como um pássaro em voo; aproximo-me lentamente e observo as janelas - quando estão abertas, quando estão fechadas - , verifico o estado do jardim, o arame da roupa, a ferrugem do portão da quinta; não tenho pressa de descer, é como se quizesse confirmar que aquela casa é realmente a minha casa, que aquela história é a minha história.
Por que razão havia duas coisas na natureza que se assemelhavam de uma forma tão impressionante? Por que é que uma coisa remetia para outra? Seria uma lei do universo, ou apenas uma loucura, um instante de distracção não controlada?
O chão à minha volta estava coberto de nozes, as chuvas abundantes tinham transformado a casca verde de Junho numa papa escura; bastava esfregá-la com o polegar para ver aparecer a casca. Dura, mas não o bastante para escapar às patas rosadas dos esquilos, aos seus dentes de marfim, ao bico das gralhas cinzentas, dos corvos, das pegas, dos gaios; dura, mas não o bastante para se esquivar às minhas perguntas.
Porque aquela nogueira - que existia e deixara de existir - era o meu espelho, o primeiro espelho da minha vida. De joelhos na terra ferida, debruçada para aquela cova, imersa na luz sinistra da Lua, com uma semente na mão e o coração aparentemente vazio, percebi de repente que ao longo dos meus dias não construiria palácios, nem fortunas, mas sim constituiria família.
Enquanto uma pinha de cedro caía com estrondo no chão ao meu lado, vi nitidamente que o caminho que se abria à minha frente era o caminho intransitável e permanentemente solitário das perguntas.

quarta-feira, dezembro 06, 2006

IMAGEM

Enquanto empurrava o carrinho do supermercado, olhava para os rostos esbranquiçados sob as lâmpadas de néon e pensava: que tipo de vida tem sentido? qual é o sentido da vida? comer? sobreviver? reproduzirmo-nos? É o que fazem os animais. Nesse caso, porque é que andamos sobre duas patas e nos servimos das mãos? Porque escrevemos poemas, pintamos quadros, compomos sinfonias? Só para dizer que a barriga está cheia e copulámos o suficiente para garantir descendência.
Nenhum ser humano deseja vir ao mundo. Um belo dia, sem termos sido interpolados, damos por nós em cima do palco, alguns conseguem o papel de protagonistas, outros são meros comparsas, outros ainda saem de cena antes do fínal do acto, ou preferem descer do palco e assistir ao espectáculo na plateia - preferem rir, chorar ou aborrecer-se, de acordo com o programa do dia.
Apesar dessa violência evidente, uma vez nascidos, ninguém quer sair deste mundo. Porquê? parece-me um paradoxo: não peço para vir ao mundo, mas uma vez no mundo, não quero ir-me embora. Qual será então o sentido da responsabilidade individual? sou eu que escolho, ou souescolhida?

Por conseguinte, o verdadeiro acto de vontade - aquele que eleva o homem e o distingue dos animais - será a decisão de se ir embora? Não escolho vir ao mundo, mas posso escolher o momento de dizer adeus. Não foi da minha vontade descer, mas é da minha vontade subir.
Mas descer de onde e subir para onde? Haverá um em cima e um em baixo? Ou haverá apenas um vazio total e pneumático?
Depois da tua morte, a imagem que mais me vinha à ideia, a respeito da casa, era a de uma concha. Ainda eu não tinha quatro anos, deste-me uma, ainda me lembro da tua voz quando a encostaste ao meu ouvido: Estás a ouvir? É o ruído do mar...
Por uns instantes, fiquei a ouvir, mas, de repente, desatei num daqueles choros excessivos e infindáveis que te assustavam e irritavam. - Porque choras? O que foi? - repetias-me.
Não conseguia responder-te, não podia dizer-te que o que estava dentro da concha não era o mar, mas o gemido dos mortos, aquele sopro insólito era a sua voz, uma voz que me chegava aos ouvidos com toda a violência do que não se exprime, e depois passava para o coração e o comprimia até o fazer explodir.
Os habitantes da minha casa tinham tido o mesmo destino: tinham morrido quaze todos e o vento passara, polindo-lhes a memória. E eu andava, sózinha, por entre as curvas em espiral, e havia momentos em que me parecia estar a perder-me num labirinto. Outras vezes, porém, percebia que só lá dentro, só procurando, cavando e escutando, é que eu poderia compreender quem eu era realmente.
O vento também era uma voz, transportava os suspiros dos mortos, os seus passos e as coisas que entre eles não tinham sido ditas.
Sozinha naquela casa de paredes cada vez mais lisas, cada vez mais transparentes, comecei a pensar na jovem mulher da fotografia, envolta numa nuvem de fumo. Tentava lembrar-me do tom da sua voz ou do calor da sua mão, de qualquer coisa que nos pudesse ter unido antes do seu desaparecimento.
Gostaria de saber tudo acerca dela, mas já não tinha ninguém a quem fazer perguntas. Todos se fechavam como ostras.
Como era, quem era, que gostos tinha e, sobretudo, porque me tinha trazido a este mundo?
Comecei a chamar por ela , vagueando pelo quarto dela vazio. Tinha vergonha de prenunciar aquele nome, parecia-me uma espécie de traição para com ela: Durante trinta e longos anos tinha dito "Cândida" e agora, de repente, queria dizer apenas "mãe".