Nenhum ser humano deseja vir ao mundo. Um belo dia, sem termos sido interpolados, damos por nós em cima do palco, alguns conseguem o papel de protagonistas, outros são meros comparsas, outros ainda saem de cena antes do fínal do acto, ou preferem descer do palco e assistir ao espectáculo na plateia - preferem rir, chorar ou aborrecer-se, de acordo com o programa do dia.
Apesar dessa violência evidente, uma vez nascidos, ninguém quer sair deste mundo. Porquê? parece-me um paradoxo: não peço para vir ao mundo, mas uma vez no mundo, não quero ir-me embora. Qual será então o sentido da responsabilidade individual? sou eu que escolho, ou souescolhida?
Por conseguinte, o verdadeiro acto de vontade - aquele que eleva o homem e o distingue dos animais - será a decisão de se ir embora? Não escolho vir ao mundo, mas posso escolher o momento de dizer adeus. Não foi da minha vontade descer, mas é da minha vontade subir.
Mas descer de onde e subir para onde? Haverá um em cima e um em baixo? Ou haverá apenas um vazio total e pneumático?
Depois da tua morte, a imagem que mais me vinha à ideia, a respeito da casa, era a de uma concha. Ainda eu não tinha quatro anos, deste-me uma, ainda me lembro da tua voz quando a encostaste ao meu ouvido: Estás a ouvir? É o ruído do mar...
Por uns instantes, fiquei a ouvir, mas, de repente, desatei num daqueles choros excessivos e infindáveis que te assustavam e irritavam. - Porque choras? O que foi? - repetias-me.
Não conseguia responder-te, não podia dizer-te que o que estava dentro da concha não era o mar, mas o gemido dos mortos, aquele sopro insólito era a sua voz, uma voz que me chegava aos ouvidos com toda a violência do que não se exprime, e depois passava para o coração e o comprimia até o fazer explodir.
Os habitantes da minha casa tinham tido o mesmo destino: tinham morrido quaze todos e o vento passara, polindo-lhes a memória. E eu andava, sózinha, por entre as curvas em espiral, e havia momentos em que me parecia estar a perder-me num labirinto. Outras vezes, porém, percebia que só lá dentro, só procurando, cavando e escutando, é que eu poderia compreender quem eu era realmente.
O vento também era uma voz, transportava os suspiros dos mortos, os seus passos e as coisas que entre eles não tinham sido ditas.
Sozinha naquela casa de paredes cada vez mais lisas, cada vez mais transparentes, comecei a pensar na jovem mulher da fotografia, envolta numa nuvem de fumo. Tentava lembrar-me do tom da sua voz ou do calor da sua mão, de qualquer coisa que nos pudesse ter unido antes do seu desaparecimento.
Gostaria de saber tudo acerca dela, mas já não tinha ninguém a quem fazer perguntas. Todos se fechavam como ostras.
Como era, quem era, que gostos tinha e, sobretudo, porque me tinha trazido a este mundo?
Comecei a chamar por ela , vagueando pelo quarto dela vazio. Tinha vergonha de prenunciar aquele nome, parecia-me uma espécie de traição para com ela: Durante trinta e longos anos tinha dito "Cândida" e agora, de repente, queria dizer apenas "mãe".
Mas descer de onde e subir para onde? Haverá um em cima e um em baixo? Ou haverá apenas um vazio total e pneumático?
Depois da tua morte, a imagem que mais me vinha à ideia, a respeito da casa, era a de uma concha. Ainda eu não tinha quatro anos, deste-me uma, ainda me lembro da tua voz quando a encostaste ao meu ouvido: Estás a ouvir? É o ruído do mar...
Por uns instantes, fiquei a ouvir, mas, de repente, desatei num daqueles choros excessivos e infindáveis que te assustavam e irritavam. - Porque choras? O que foi? - repetias-me.
Não conseguia responder-te, não podia dizer-te que o que estava dentro da concha não era o mar, mas o gemido dos mortos, aquele sopro insólito era a sua voz, uma voz que me chegava aos ouvidos com toda a violência do que não se exprime, e depois passava para o coração e o comprimia até o fazer explodir.
Os habitantes da minha casa tinham tido o mesmo destino: tinham morrido quaze todos e o vento passara, polindo-lhes a memória. E eu andava, sózinha, por entre as curvas em espiral, e havia momentos em que me parecia estar a perder-me num labirinto. Outras vezes, porém, percebia que só lá dentro, só procurando, cavando e escutando, é que eu poderia compreender quem eu era realmente.
O vento também era uma voz, transportava os suspiros dos mortos, os seus passos e as coisas que entre eles não tinham sido ditas.
Sozinha naquela casa de paredes cada vez mais lisas, cada vez mais transparentes, comecei a pensar na jovem mulher da fotografia, envolta numa nuvem de fumo. Tentava lembrar-me do tom da sua voz ou do calor da sua mão, de qualquer coisa que nos pudesse ter unido antes do seu desaparecimento.
Gostaria de saber tudo acerca dela, mas já não tinha ninguém a quem fazer perguntas. Todos se fechavam como ostras.
Como era, quem era, que gostos tinha e, sobretudo, porque me tinha trazido a este mundo?
Comecei a chamar por ela , vagueando pelo quarto dela vazio. Tinha vergonha de prenunciar aquele nome, parecia-me uma espécie de traição para com ela: Durante trinta e longos anos tinha dito "Cândida" e agora, de repente, queria dizer apenas "mãe".


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