quinta-feira, dezembro 07, 2006

PERGUNTAS

Quando regresso mentalmente à casa, vejo-a suspensa na luz da madrugada. É ainda Outono porque, o sob a tepidez dos primeiros raios, o solo começa a fumegar e a neblina vai subindo. Vejo-a sempre de cima e de longe, como um pássaro em voo; aproximo-me lentamente e observo as janelas - quando estão abertas, quando estão fechadas - , verifico o estado do jardim, o arame da roupa, a ferrugem do portão da quinta; não tenho pressa de descer, é como se quizesse confirmar que aquela casa é realmente a minha casa, que aquela história é a minha história.
Por que razão havia duas coisas na natureza que se assemelhavam de uma forma tão impressionante? Por que é que uma coisa remetia para outra? Seria uma lei do universo, ou apenas uma loucura, um instante de distracção não controlada?
O chão à minha volta estava coberto de nozes, as chuvas abundantes tinham transformado a casca verde de Junho numa papa escura; bastava esfregá-la com o polegar para ver aparecer a casca. Dura, mas não o bastante para escapar às patas rosadas dos esquilos, aos seus dentes de marfim, ao bico das gralhas cinzentas, dos corvos, das pegas, dos gaios; dura, mas não o bastante para se esquivar às minhas perguntas.
Porque aquela nogueira - que existia e deixara de existir - era o meu espelho, o primeiro espelho da minha vida. De joelhos na terra ferida, debruçada para aquela cova, imersa na luz sinistra da Lua, com uma semente na mão e o coração aparentemente vazio, percebi de repente que ao longo dos meus dias não construiria palácios, nem fortunas, mas sim constituiria família.
Enquanto uma pinha de cedro caía com estrondo no chão ao meu lado, vi nitidamente que o caminho que se abria à minha frente era o caminho intransitável e permanentemente solitário das perguntas.

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