A Primavera deste ano chegou de repente. Ontem o tempo estava maravilhoso, fui até ao Bombarral, seguindo para Peniche, estava tão radiante que, durante a viagem, não consegui estar calada um instante, pela janela via a mesma paisagem que tinha visto à tempos anteriores, mas tudo parecia diferente.
Tenho estado doente vai pra três semanas, nestas três semanas penso mais e mais profundamente do que quando estou a trabalhar.
A semana passada fui sózinha até Sintra, ao passear pelo miradouro do Palácio, pensei que o mais bonito seria morrer nesse instante. Parece estranho, mas a felicidade suprema, tráz sempre consigo este desejo contraditório. Eu estava feliz nesse dia.
Olhei a beleza do Palácio, e nesse instante, tinha a sensação de que estava a caminhar há muito tempo, de que tinha andado durante anos e anos por caminhos escalavrados, pelo matagal; para seguir em frente abrira à paulada uma estreita passagem, avançara e não vira nada do que me rodeava - PARA ALÉM DO QUE ESTAVA DIANTE DOS MEUS PÉS -; Não sabia para onde ia, podia haver um abismo à minha frente, um precipício, uma vila ou o deserto; depois, de repente, o matagal abrira-se, sem reparar tinha subido. Estava em cimo de um monte, o Sol tinha nascido há pouco e à minha frente, com matizes diversos, outros montes desciam para o horizonte; era tudo azul, uma brisa ligeira roçava pelo cume do monte, pelo cume do monte e pela minha cabeça, pela minha cabeça e pelos meus pensamentos. De vez em quando, ouvia-se um rumor lá em baixo, o ladrar de um cão, o sino da igreja. Tudo era ao mesmo tempo leve e intenso. Dentro e fora de mim tudo se tinha tornado claro, já nada se sobrepunha, já nada se interpunha, já não me apetecia descer, embrenhar-me no matagal; queria mergulhar em todo aquele azul e ali ficar para sempre, deixar a vida no seu momento mais sublime. Foi o que pensei até tarde, até ao momento de voltar a encontrar-me com Conceição. No entanto, depois fui para casa. Durante o jantar, não tive coragem para dizer-lhe, tinha medo que ele desatasse a rir. Só já noite avançada, quando ele perguntou o que eu tinha, quando chegou e me abraçou, é que aproximei a boca do seu ouvido para contar-lhe. Queria dizer-lhe: Quero morrer. Contudo, sei o que lhe disse? Não tenho sono.
segunda-feira, março 12, 2007
domingo, março 04, 2007
Tantos anos
A dor tem vida própria e só o tempo e a generosidade da existência a podem apagar.
Já passaram tantos anos e não sei se o tempo curou a minha tristeza, mas quero acreditar que sim, que o passado não me pode prender, que somos mais fortes do que as nossas desilusões.
Poucas pessoas tiveram na vida tanta companhia como eu; fui criada em colégios internos, ainda hoje tenho os melhores amigos do mundo que me ajudam a pensar, a lamber as feridas, a escolher novos caminhos e a crescer. Mas penso demasiado em tudo, tenho sempre coisas para dizer aos outros e sei que os outros nem sempre têm tempo ou paciência para me ouvir.
Temo que todas as palavras que escrevo não passem de fragmentos de uma confissão. Fico sempre com a sensação que falta o essencial, que o mais importante ficou por dizer.
Preciso de me sentar todos os dias ao computador e escrever, quaze compulsivamente, mesmo que não tenha um livro em mãos. Habituei-me à companhia das palavras, ao silêncio da casa, ao olhar Sintra da minha janela, aos meus discos de música clássica, únicos intrusos admitidos nos momentos de peregrinação interior, que é afinal o que tento fazer quando estou a trabalhar. Não é vontade, é necessidade. É por isso que os músicos tocam, que os pintores pintam, que os escultores esculpem, que os atletas correm: porque precisam. E eu, em criança metia conversa com toda a gente, eu falo com as árvores e com as pedras da rua, preciso de me fechar todos os dias e escrever.
Há muitos anos que não me acontecia isto, pelo menos de uma forma tão intensa e inequívoca. Talvez a minha visão seja demasiado poética, exagerada, mas a vida é isto mesmo, ou se vive sem limites, ou então não vale a pena.
Se calhar sou doida, sofro da mais antiga enfermidade do ser humano e que ainda nenhum cientista se lembrou de diagnosticar, estudar e classificar como patologia: Não sei viver com gente fingida, preciso que me amem, para viver sem me deixar engolir pela realidade, sem sentir que estou a lutar para me manter à tona.
Não sei que espécie de caminhante sou, para onde vou, não sei. Sei que há uma força estranha que me faz correr, para onde não devo.
Já passaram tantos anos e não sei se o tempo curou a minha tristeza, mas quero acreditar que sim, que o passado não me pode prender, que somos mais fortes do que as nossas desilusões.
Poucas pessoas tiveram na vida tanta companhia como eu; fui criada em colégios internos, ainda hoje tenho os melhores amigos do mundo que me ajudam a pensar, a lamber as feridas, a escolher novos caminhos e a crescer. Mas penso demasiado em tudo, tenho sempre coisas para dizer aos outros e sei que os outros nem sempre têm tempo ou paciência para me ouvir.
Temo que todas as palavras que escrevo não passem de fragmentos de uma confissão. Fico sempre com a sensação que falta o essencial, que o mais importante ficou por dizer.
Preciso de me sentar todos os dias ao computador e escrever, quaze compulsivamente, mesmo que não tenha um livro em mãos. Habituei-me à companhia das palavras, ao silêncio da casa, ao olhar Sintra da minha janela, aos meus discos de música clássica, únicos intrusos admitidos nos momentos de peregrinação interior, que é afinal o que tento fazer quando estou a trabalhar. Não é vontade, é necessidade. É por isso que os músicos tocam, que os pintores pintam, que os escultores esculpem, que os atletas correm: porque precisam. E eu, em criança metia conversa com toda a gente, eu falo com as árvores e com as pedras da rua, preciso de me fechar todos os dias e escrever.
Há muitos anos que não me acontecia isto, pelo menos de uma forma tão intensa e inequívoca. Talvez a minha visão seja demasiado poética, exagerada, mas a vida é isto mesmo, ou se vive sem limites, ou então não vale a pena.
Se calhar sou doida, sofro da mais antiga enfermidade do ser humano e que ainda nenhum cientista se lembrou de diagnosticar, estudar e classificar como patologia: Não sei viver com gente fingida, preciso que me amem, para viver sem me deixar engolir pela realidade, sem sentir que estou a lutar para me manter à tona.
Não sei que espécie de caminhante sou, para onde vou, não sei. Sei que há uma força estranha que me faz correr, para onde não devo.
quinta-feira, março 01, 2007
PESO
O peso da noite é o peso das perguntas que não têm resposta. A noite é dos doentes, dos inquietos, não há forma de nos libertarmos da nossa tirania. Pode-se acender uma luz, abrir um livro, procurar na rádio uma voz reconfortante, mas a noite continua ali, à espreita: viemos do escuro, ao escuro voltaremos e escuro era o espaço antes de o universo ganhar forma.
Talvez seja por isso que as cidades estão cada vez mais iluminadas e cheias de atracções: a qualquer hora da noite, se quizermos, podemos comer, comprar alguma coisa, divertirmo-nos.
O silêncio e a escuridão são relegados para as poucas horas em que estamos esvaídos de cansaço e temos de tentar recuperar forças para continuar, mas não é um sono sulcado pelo fulgor das perguntas, é um desfalecimento, isso sim, o espaço breve em que o corpo é obrigado a ceder à fisiologia, para depois despertar diante dum ecrã luminoso, com um telecomando manejado sempre por nós.
Em que acreditas?, perguntara-me o Manuel. No silêncio da noite, dava voltas e mais voltas na cama, as dores eram muitas, sem conseguir sossegar.
Sabia que o sono não iria chegar, mas esperava ao menos por uma espécie de modorra. Em vão aquela pergunta pairava no ar,arrastando consigo muitas outras, e a primeira de todas era a sua irmã gémea: porque vives?
Em que acreditas? Porque vives? A cada criança que nasce deveria ser entregue um pergaminho com estas duas perguntas em pé de página, deixando por cima o espaço suficiente para o tempo que lhes é dado viver. Depois, teríamos de nos apresentar com essa mesma folha - preenchida com todas as acções da nossa vida - diante da morte.
De facto, eliminando a noite be o silêncio, deixa de haver espaço para as perguntas - e é essa a função do pergaminho: para que cada criança que nasça não pense que é apenas um objecto entre outros objectos, e até o mais perfeito; para que saiba ( se, ao longo dos anos, passar por acaso uma noite sem dormir) que o que a mantém acordada não é nenhuma doença, mas a sua natureza, porque a capacidade de se interrogar é própria do homem e de ninguém mais.
Em que é que acreditas?
Há dor, não alegria nas minhas primeiras recordações; há ansiedade, medo, não a serena certeza da pertença. Enquanto gatinhava à procura da minha mãe por entre aqueles corpos aturdidos pelos excessos, enquanto a via dormir ao lado de um marido a quem eu chamava pai, que podia eu sentir senão confusão?
Já então intuía que não era filha do casamento, mas do amor fora dele, e essa percepção, em vez de me empurrar para a aversão. fazia nascer en mim um estranho desejo de proteger a minha nãe; lia sempre um véu de tristeza por baixo da sua alegria forçada, sentia que ela comrçava andar à deriva e daria a minha vida para evitar que isso acontecesse.
De onde veio a minha alma?, pergunto a mim mesma: ter-se-á formado comigo, ou terá brotado do mistério do tempo fora para poder socorrer um corpo que levianamente a atraiu a si, condenando-a a viver a dor da não aceitação, na inquietação do lugar nenhum, do não importa, por quê, por quem estou aqui?, como dissera o meu pai, já que tudo se reproduz inexoravelmente, desde os bolores até aos elefantes?
Seria, portanto, filha da inexorabilidade?
Talvez seja por isso que as cidades estão cada vez mais iluminadas e cheias de atracções: a qualquer hora da noite, se quizermos, podemos comer, comprar alguma coisa, divertirmo-nos.
O silêncio e a escuridão são relegados para as poucas horas em que estamos esvaídos de cansaço e temos de tentar recuperar forças para continuar, mas não é um sono sulcado pelo fulgor das perguntas, é um desfalecimento, isso sim, o espaço breve em que o corpo é obrigado a ceder à fisiologia, para depois despertar diante dum ecrã luminoso, com um telecomando manejado sempre por nós.
Em que acreditas?, perguntara-me o Manuel. No silêncio da noite, dava voltas e mais voltas na cama, as dores eram muitas, sem conseguir sossegar.
Sabia que o sono não iria chegar, mas esperava ao menos por uma espécie de modorra. Em vão aquela pergunta pairava no ar,arrastando consigo muitas outras, e a primeira de todas era a sua irmã gémea: porque vives?
Em que acreditas? Porque vives? A cada criança que nasce deveria ser entregue um pergaminho com estas duas perguntas em pé de página, deixando por cima o espaço suficiente para o tempo que lhes é dado viver. Depois, teríamos de nos apresentar com essa mesma folha - preenchida com todas as acções da nossa vida - diante da morte.
De facto, eliminando a noite be o silêncio, deixa de haver espaço para as perguntas - e é essa a função do pergaminho: para que cada criança que nasça não pense que é apenas um objecto entre outros objectos, e até o mais perfeito; para que saiba ( se, ao longo dos anos, passar por acaso uma noite sem dormir) que o que a mantém acordada não é nenhuma doença, mas a sua natureza, porque a capacidade de se interrogar é própria do homem e de ninguém mais.
Em que é que acreditas?
Há dor, não alegria nas minhas primeiras recordações; há ansiedade, medo, não a serena certeza da pertença. Enquanto gatinhava à procura da minha mãe por entre aqueles corpos aturdidos pelos excessos, enquanto a via dormir ao lado de um marido a quem eu chamava pai, que podia eu sentir senão confusão?
Já então intuía que não era filha do casamento, mas do amor fora dele, e essa percepção, em vez de me empurrar para a aversão. fazia nascer en mim um estranho desejo de proteger a minha nãe; lia sempre um véu de tristeza por baixo da sua alegria forçada, sentia que ela comrçava andar à deriva e daria a minha vida para evitar que isso acontecesse.
De onde veio a minha alma?, pergunto a mim mesma: ter-se-á formado comigo, ou terá brotado do mistério do tempo fora para poder socorrer um corpo que levianamente a atraiu a si, condenando-a a viver a dor da não aceitação, na inquietação do lugar nenhum, do não importa, por quê, por quem estou aqui?, como dissera o meu pai, já que tudo se reproduz inexoravelmente, desde os bolores até aos elefantes?
Seria, portanto, filha da inexorabilidade?
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