quinta-feira, janeiro 29, 2009

O melhor lado


Se grave apreensão corrói a tua paz.

vira-a de quando em quando.

Espera, e acabarás, via da regra.

Por encontrar a solução exacta.

Já reparaste que uma nuvem negra.

É muitas vezes debruada a prata?


Viver é manter-se bem alerta.

Pronto, sempre, a fazer a justa opção:

Entre a face errada e a face certa.

Entre o lado alegre e o lado triste.

Entre a luz e a escuridão.


Quando a vida te acabrunha e entristece.

Dá ao pensamento outro traçado:

Volta para cima o melhor lado.

E eis um dia novo que amanhece.


Constrói um arco-iris cheio de beleza.

Policroma-o de tons e matizes joviais.

Sob esse talismã a vil tristeza.

Há-de deixar-te para nunca mais.

segunda-feira, janeiro 26, 2009

Decidido


Hoje comecei a trabalhar, no APA. Os meus filhos disseram-me estás doida, depois de dois anos regressas ao serviço, vão matar-te.

Respondi-lhes que talvez fosse melhor assim. A seguir arrancára dois anos, ou duas páginas do livro da vida e, página seguinte, em letra grande, viveria a minha vida de outra maneira.

Suspensa entre o alívio e o atordoamento, ao chegar ao serviço. Todas as colegas que encontrava perguntavam: uma grande espera? Que saudade.

Durante o dia, senti necessidade de me afastar das memórias destes dois anos. Não podia continuar na companhia de todo o peso desse tempo, para limpar os detritos, as sombras, para me purificar, andei por muito tempo no planalto

Ocultos nas encostas do APA, os melros cruzavam os seus cantos de amor, as folhas amarelecidas do Outono dava esplendor à paisagem circundante, enquanto meus olhos brilhavam com uma nova luz de esperança.

Enquanto caminhava de carro para o serviço, punha-me a admirar a beleza das árvores despidas, e pensei, que saudades. Enquanto ia andando entre o trânsito, pensava nesse meu irmão - ou nessa minha irmã-a quem não fora dado a possibilidade de conviver, ou de amar. As suas existências poderiam ter salvo muita coisa da minha vida, ou teriam acelerado o seu declive de destruição?

Não tinha qualque lembrança feliz, destes dois anos, o que restava deles em mim, era uma espécie de ruído de fundo, um feixe de vozes contrapostas, de rumores agudos, abafados de tempos a tempos pelo som pungente de um instrumento( identificado por cirurgias) que me fazia chorar.

Tenho medo daquele som, tal como tenho medo de estar sózinha. Deve ter sido esse terror que apagou o meu sorriso, e muitas coisas da minha memória. Cada pessoa tem a necessidade inata de espanto, para algo que possa admirar, ser conduzida ao cume de um monte e contemplar o esplendor, as mundanças de luz, a neve, o reflexo dos gelos, a águia que, lá nas alturas, protege magestosa os filhotes, como deveriam fazer todos os seres humanos. Mas as lembranças, e a paisagem que se destacavam no horizonte destes dois anos, não passaram muitas vezes de uma lixeira a céu aberto. Para não me deixar levar pelo desalento, sorri.

terça-feira, janeiro 20, 2009

Criança


Ontem à noite como é habitual fui dar um beijo ao meu filho Fábio. Em desabafos, fui aumentando os meus episódios de criança, onde ele prestava muita atenção. Narrando acrescentei...
No colégio, a indiferença que sentiam pelo nosso desenvolvimento interior igualava a extrema rigidez com que tratavam os aspectos mais banais da educação. Tinha de me sentar direita à mesa, com os cotovelos colados ao corpo. Se, ao fazê-lo, só pensava na melhor forma de me matar, isso não tinha qualquer importância. A aparência era tudo, para além dela só existiam coisas inconvenientes.
Assim , cresci com a sensação de era algo semelhante a uma macaca que devia ser domesticada e não um ser humano, uma pessoa, com as suas alegrias, os seus desânimos, a sua necessidade de ser amada. Esse mal-estar depressa gerou dentro de mim uma grande solidão, uma solidão que com o passar dos anos se foi tornando enorme, uma espécie de vácuo onde eu me movia com os gestos lentos e desageitados de um mergulhador. A solidão também nascia das perguntas, das que fazia a mim mesma e às quais não sabia responder: Já aos quatro, cinco anos olhava à minha volta e pensava: Porque estou eu aqui? Donde é que vim, de onde vêm todas as coisas que vejo à minha volta, o que há atrás delas, terão estado sempre aqui, mesmo quando eu não estava, estarão sempre?
Fazia a mim própria todas as perguntas que fazem as crianças sensíveis quando começam a tomar consciência da complexidade do mundo. Estava convencida de que os adultos também as faziam, que eram capazes de responder, mas após duas ou três tentativas com as Freiras, percebi não só que não sabiam responder, mas também que nunca as tinham feito a si mesmas.
Assim foi aumentando a sensação de solidão, compreendes, para resolver todos os inigmas só podia contar com as minhas forças, quanto mais o tempo ia passando, mais perguntas fazia acerca de tudo, eram perguntas cada vez maiores, cada vez mais terríveis, ficava aterrorizada só de pensar nelas.
Indelicadeza? Superficialidade? Sadismo? O que havia naquelas respostas? E porquê? perguntava eu. Porque estavam fartas das minhas maldades. No mesmo instante em que ouvia aquelas palavras, houve algo dentro de mim que se rompeu. Comecei a não dormir de noite, de dia, bastava um pequeno nada para desatar a soluçar. Passado uns poucos anos , chamaram o psiquiatra. A miúda está com um esgotamento, disse ele, e receitou-me óleo de fígado de bacalhau.
E ningém me perguntou porque não dormia, porque andava sempre de um lado para o outro, como uma bola roída.A partir desse momento, as minhas acções deixaram de ser neutras, independentes. Com o terror de cometer mais um erro, fui-as reduzindo ao mínimo, tornei-me apática, hesitante. À noite, apertava o lençol nas mãos e chorava, dizendo: Mãe, por favor, volta e leva-me, gosto mais de ti do que de todos. É por isso que digo que aos seis anos já era grande, porque,no lugar da alegria havia a ansiedade, no lugar da curiosidade, a indiferença. As Freiras seriam uns monstros? Claro que não, eram pessoas absolutamente normais para a época.
Olhei para o meu filho. Dos seus lindos olhos bailavam algumas lágrimas, disse-me docemente. Amo-te muito mãe.

quinta-feira, janeiro 15, 2009

A dor




A dor ensina-nos igualmente que somos dependentes dos outros. Quando estamos doentes, vamos ao médico. Quando estamos emocionalmente perturbados, visitamos um amigo ou um terapeuta. Quando a vida nos pressiona, chamamos por Deus. O sofrimento abre-nos um canal, através do qual podemos falar honestamente com outra pessoa, provavelmente pela primeira vez. Poderemos sentir algum alívio sabendo estarmos em sintonia com outros que também sofrem ou que, pelo menos, nos podem oferecer apoio.

Na linguagem religiosa tradicional, a dor leva-nos ao âmago da natureza de Cristo e de Buda. Ultrapassamo-nos, embora continuando a ser quem somos, quando nos juntamos a uma grande visão com a profundidade da alma. Quando sofremos, somos convidados para uma grande reunião com os sofredores de toda a existência e, assim, expandimo-nos e descobrimos toda a dimensão da experiência. O sofrimento pode ensinar a nossa imaginação a libertar-se de uma au-to absorção, para se ligar com o mundo de um modo infinitamente mais importante.

Ver o sofrimento como um mistério, como o tormento de Deus, é compreender o que está no interior da natureza das coisas. Buda ensinou que a dor é causada por uma espécie de desejo,pela vontade própria ou talvez por estreitos apetites. Certamente que imaginamos o fim do sofrimento, como objectivo válido para a medicina ou para a assistência social. O grande físico Paracelso disse que, se não fôssemos tão ignorantes, poderíamos curar todas as doenças, sem excepção. Para dicifrarmos o mistério divino no sofrimento, não será preciso desistirmos, desencorajados, mas sim entendermos que esse sofrimento terá de ser lançado do local mais profundo.

Não sei explicar o sofrimento, mas posso sugerir maneiras modernas e antigas de reflectir sobre ele. Há um grande mistério teológico no modo como a dor redime, em como o sofrimento sentido por uma pessoa ajuda outro e em como alguns são chamados a sofrer e outros a viverem tranquilos. Por fím, pedem-nos que reconheçamos o mistério e abracemos como nosso, tudo aquilo que a vida nos oferece. O sofrimento é afinal redentor da dinvindade que se processa através de nós.

Não tenho a mínima dúvida que em certos momentos da minha vida recebi apoio, consolo e segurança insuspeitos e inexplicáveis da parte de uma qualquer presença espíritual. Não me custa acreditar que tenho um anjo-da-guarda. Se necessário for, só o mero facto de estar viva é prova suficiente para mim.