segunda-feira, janeiro 26, 2009

Decidido


Hoje comecei a trabalhar, no APA. Os meus filhos disseram-me estás doida, depois de dois anos regressas ao serviço, vão matar-te.

Respondi-lhes que talvez fosse melhor assim. A seguir arrancára dois anos, ou duas páginas do livro da vida e, página seguinte, em letra grande, viveria a minha vida de outra maneira.

Suspensa entre o alívio e o atordoamento, ao chegar ao serviço. Todas as colegas que encontrava perguntavam: uma grande espera? Que saudade.

Durante o dia, senti necessidade de me afastar das memórias destes dois anos. Não podia continuar na companhia de todo o peso desse tempo, para limpar os detritos, as sombras, para me purificar, andei por muito tempo no planalto

Ocultos nas encostas do APA, os melros cruzavam os seus cantos de amor, as folhas amarelecidas do Outono dava esplendor à paisagem circundante, enquanto meus olhos brilhavam com uma nova luz de esperança.

Enquanto caminhava de carro para o serviço, punha-me a admirar a beleza das árvores despidas, e pensei, que saudades. Enquanto ia andando entre o trânsito, pensava nesse meu irmão - ou nessa minha irmã-a quem não fora dado a possibilidade de conviver, ou de amar. As suas existências poderiam ter salvo muita coisa da minha vida, ou teriam acelerado o seu declive de destruição?

Não tinha qualque lembrança feliz, destes dois anos, o que restava deles em mim, era uma espécie de ruído de fundo, um feixe de vozes contrapostas, de rumores agudos, abafados de tempos a tempos pelo som pungente de um instrumento( identificado por cirurgias) que me fazia chorar.

Tenho medo daquele som, tal como tenho medo de estar sózinha. Deve ter sido esse terror que apagou o meu sorriso, e muitas coisas da minha memória. Cada pessoa tem a necessidade inata de espanto, para algo que possa admirar, ser conduzida ao cume de um monte e contemplar o esplendor, as mundanças de luz, a neve, o reflexo dos gelos, a águia que, lá nas alturas, protege magestosa os filhotes, como deveriam fazer todos os seres humanos. Mas as lembranças, e a paisagem que se destacavam no horizonte destes dois anos, não passaram muitas vezes de uma lixeira a céu aberto. Para não me deixar levar pelo desalento, sorri.

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