Através de um registo encontrado, e escrito em África. Escrevi em nome de minha mãe uma carta, para mim própria. Datada de 1 de Maio, de 1975. Grávida de 9 meses, de meu Filho Paulo. Tinha uma enorme carência afectiva e, precisava de ouvir , ou receber uma carta de minha mãe.
Onde estás tu, meu coração? Aparece que te ponho a salvo.
E agora, coração, onde estás tu? Agora, estás aí, no meio dos caiotes e dos cactos; quando estiveres a ler isto, é muito provável que estejas aqui e que as minhas coisas estejam no sotão. As minhas palavras ter-te-ão posto a salvo? Talves só possas compreender.me quando fores mais crescida, talves possas compreender-me se tiveres feito aquele percurso misterioso que vai da intrasigência à piedade.
Piedade, repara bem, não na pena. Se sentires pena, descerei como os espíritos malignos e dar-te-ei imensas arrelias. Farei o mesmo se, em vez de humilde, fores modesta, se embriegares com palavreados vazios em vez de estares calada. Explodirão lâmpadas, os pratos voarão das prateleiras, as cuecas acabaram em cima do candeeiro, desde madrugada até noite cerrada não te deixarei em paz só um instante.
Não, não é verdade, não farei nada. Se, esteja onde estiver, arranjar maneira de te ver, só ficarei triste, como fico triste sempre que vejo uma vida desperdiçada, uma vida em que o caminho do amor nao conseguiu cumprir-se. Tem cuidado contigo. Sempre que, à medida que fores crescendo, tiveres vontade de converter as coisas erradas em coisas certas, lembra-te de que a primeira revolução a fazer é dentro de nós próprios, a primeira e a mais importante. Lutar por uma ideia sem ter uma ideia de si próprio é uma das coisas mais perigosas que se pode fazer.
Quando te sentires perdida, confusa, pensa nas árvores, lembra-te da forma como crescem. Lembra-te de que uma árvore com muita ramagem e poucas raízes é derrubada à primeira rajada de vento, e de que a linfa custa a correr numa árvore com muitas raízes e pouca ramagem. As raízes e os ramos devem crescer de igual modo, deves estar nas coisas e estar sobre as coisas, só assim poderás dar sombra e abrigo, só assim, na estação apropriada, poderás cobrir-te de flores e de frutos.
E quando à tua frente se abrirem muitas estradas e não souberes a que hás-de escolher, não metas por uma ao acaso, senta-te e espera.
Respira com a mesma profundidade confiante com que respiraste no dia em que vieste ao mundo, e sem deixares que nada te distraia, espera e volta a esperar. Fica quieta, em silêncio, e ouve o teu coração. Quando ele te falar, levanta-te, e vai para onde ele te levar. Eu estarei contigo. Sempre.
sexta-feira, julho 08, 2005
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1 comentário:
Eu tambem. Sempre.
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