terça-feira, julho 05, 2005

VENTO

A noite passada, houve muito vento. Era um vento tão violento que acordei várias vezes com o ruído a bater nas persianas. Também velando pelo Fábio, a temperatura não baixava. E pensava. Como as coisas mudam com os anos.
Tenho a impressão de que o uso excessivo da mente produz mais ao menos o mesmo efeito: de toda a realidade que nos rodeia só se consegue captar uma parte restrita. E nessa parte impera muitas vezes a confusão, porque está repleta de palavras, e as palavras na maioria dos casos, em vez de nos conduzirem a algum lugar mais amplo só nos obrigam a uma dança de roda.
A compreensão exige silêncio. Quando era mais jovem, não o sabia, sei-o agora, que ando pela casa muda e solitária como um peixe na sua redoma de cristal. A mente é prisioneira das palavras, o seu ritmo é o ritmo desordenado dos pensamentos; mas o coração respira, é o único orgão que pulsa, e é essa pulsação que nos permite estar em sintonia com pulsações maiores. Há coisas que dóem muito só de pensar nelas. Dizê-las dói ainda muito mais.
Hoje, acordei com um mal estar péssimo! Meu filho cheio de febre pela noite fora. Queria escrever sobre este assunto, mas minha mente não deixava. Quando não escrevo, ando pela casa, mas não encontro paz em nenhum canto. Das poucas coisas que sou capaz de fazer, não há uma única que me permita estar calma, que me permita desviar por um instante os pensamentos das lembranças tristes. Tenho a impressão de que a memória funciona mais ou menos como um congelador. Também as lembranças tristes dormitam durante muito tempo numa das inúmeras cavernas da memória, estão para ali durante anos, durante decénios, durante toda a vida. Depois, um belo dia voltam à superfície, a dor que as tinha acompanhado está de novo presente, tão intensa e pungente como naquele dia, hà muitos anos atrás.
Estou a falar de mim do meu segredo.
Mas para se contar uma história é preciso começar do princípio, e o princípio está na minha juventude, no isolamento um tanto anómalo em que eu tinha crescido e continuava a viver. No meu tempo, a inteligência era um dote bastante negativo para a mulher não devia ser mais que uma égua de criação estática adoradora. A última coisa que se podia desejar era uma mulher que fizesse perguntas, uma mulher curiosa, inquieta.
Por isso, a solidão da minha juventude foi de facto muito grande. Para falar verdade, por volta dos dezoito vinte anos, como era simpática e bastante bem parecida, tinha uma multidão de apaixonados à minha volta. Contudo, mal demonstrava que sabia falar, mal lhes abria o coração e os pensamentos que se agitavam lá dentro, à minha volta formava-se o vazio. Claro que podia calar-me e fingir que era e que não era, mas infelizmente - ou felizmente -, apesar da educação que tive, uma parte de mim ainda estava viva e essa parte recusava mostrar-se falsa.
Mas sou uma simplória, não percebia absolutamente nada do que se passava à minha volta. Havia em mim um profundo sentimento de lealdade e essa lealdade dizia - me que nunca, mas nunca, poderia enganar um homem.Pensava que um dia havia de encontrar um rapaz com quem pudesse falar até altas horas da noite, sem nunca me cansar; falando e falando chegaríamos à conclusão de que víamos as coisas da mesma maneira, que sentiamos o mesmo. Então nasceria o amor, seria um amor baseado na amizade, na estima, não na facilidade da relação amorosa.

2 comentários:

Anónimo disse...

Se é baseado na amizade, nunca poderá ser amor. AMOR... tem altos e baixos, concordia e discordia zangas e maravilhosas reconciliações. Foge sempre das relações demasiado estaveis porque se tornam enfadonhas.Bj ATMT

Anónimo disse...

O verdadeiro amor é muito mais do que a amizade e do que a mera contemplação. O amor é vida e morte, é paixão e dor, é histórias vividas, é verdade e mentira... Infelizmente não o conhecemos porque está tão perto de nós que o exteriorizamos.Afinal só damos valor às estrelas porque simplesmente não temos coragem de explorar o nosso oceano. PR