Os meus passeios duraram pouco mais de um ano, de um dia para o outro deixei de ir a suas casas. Depois desses passeios voltava para casa cada vez mais confusa, mais incerta. Era desagradável, ir aquele lugar onde a fome e a miséria abundava. Casas de lama, crianças com fome, e nos seus olhares não existia a esperança. Estava no ano de 1978, tinha percorrido o meu caminho interior, mas era um caminho limitado ao conhecimento de mim mesma. Bairro Jamor.
Nesse caminho encontrei-me a certa altura diante de um muro, sabia que para lá desse muro o caminho continuava, mais luminoso e mais largo, mas não sabia como fazer para o transpor.
Um dia, durante um aguaceiro inesperado, abriguei-me dentro duma barraca de lata " Como se faz para ter fé", perguntei para dentro de mim. Não se faz nada acontece. Eu já tinha fé, mas a minha emoção e dor, impedia-me de o admitir, fazia demasiadas perguntas a mim mesma, complicava o que era simples. Na realidade, só havia um medo tremendo. Deixei-me levar, o que tiver de vir, virá.
Se havia misticismo na minha personalidade, era um misticismo muito concreto, agarrada às coisas de todos os dias. Estar aqui , agora, repetia-se sempre. O reino de Deus está dentro de nós, esta frase já me tinha impressionado quando vivia no colégio como aluna infeliz.
Nessa altura, fechando os olhos, deslizando com o olhar para dentro de mim, não conseguia ver nada. Depois do encontro com o padre Thomás, algo tinha mudado, continuava a não ver nada, mas já não era a cegueira total, no fundo da escuridão começava a haver um clarão, de vez em quando, por brevíssimos instantes, conseguia esquecer-me de mim mesma. Era uma luz pequena, débil, uma chamazinha apenas, bastaria um sopro para a apagar.Todavia, o facto de existir e de assistir aquele inferno , dava-me uma leveza estranha, o que sentia não era felicidade, mas alegria, de partilhar o sofrimento deles em conjunto.. Não havia euforia, exaltação, não me sentia mais sábia, mais elevada. O que crescia dentro de mim era apenas uma serena consciência de existir.
Prado no prado, carvalho debaixo de carvalho, pessoa no meio das pessoas.
sexta-feira, outubro 28, 2005
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2 comentários:
Que melancolia!! Reage!! Não gosto de te sentir assim!! BJBJBJ AtMt
O mundo, está debaixo das trevas. O homem deixou de enxergar. Que os teus sonhos e, os teus horizontes possam ir além ,e ensinar os que vivem nas trevas. Adoro o que escreves. Um abraço
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