Uma manhã de terça-feira, Setembro, dia 13. Um dia claro e radioso, saudades no meu coração, não da mulher que sou, mas da criança que minha alma alberga até aos fíns dos meus dias.
Minhas fugas solitárias...Um dia claro e radioso. É frequente nesta altura do ano o esplendor do Verão concentrar-se solenemente uma última vez, antes que as cores do Outono comecem a refulgir. As noites arrefecem, o que torna as madrugadas orvalhosas e as manhãs amenas e agradáveis. A folhagem das árvores escureceu, destacando-se contra o céu como que cinzelada. Também na cidade de Lisboa fica mais frio, invade-a uma aragem de luxo e de euforia. Luisa encontrava-se diante da praceta ajardinada do Alto de S. João. Os jardineiros tinham já enchido os canteiros com as primeiras flores do Outono. Num estreito alegrete floria ainda, irrompendo do verde-claro, a cana da India. Sentou-se num banco do jardim, e por momentos sonhou, ou meditou. A bordadura do jardim era interrompida aqui e ali por canteiros redondos donde se erguia um vulto branco em múltiplas estrelas. As flores reluziam à luz do sol. Abelhas e mosquitos zuniam à sua volta. Uma borboleta-almirante às riscas cor do tijolo repousava no seu cálice aveludado onde, de quando em quando, se virava lentamente batendo as asas em ritmo descompassado, como dizendo...Amo-te. Amo-te.
Devia ter vindo de muito longe, a voar por cima dos telhados. Uma outra mais bela veio fazer-lhe companhia. As mariposas começaram então a adejar uma à volta da outra, voando depois em direcção ao azul do céu, como a convidar Luisa a ir também, até desapareceram de vista. Luisa estava no sonho acordada, dos lados da rua lopes, chegavam até ali as vozes límpidas de sua mãe, de seus irmãos. Rapazes apregoavam os jornais de domingo. Os sinos da Igreja da Graça, começaram a repicar. Do portão da Igreja saiu uma mulher de lenço branco, tapando-lhe o rosto. Estas imagens interrouperam a contemplação ociosa em que Luisa se embrenhara. Misturou-se com os transeuntes que confluíam e se voltavam a dispersar à medida que Luisa se afastava. Depois, como alguém a quem fosse indiferente o caminho a tomar, tomou pelo cimitério , caminhando vagorosamente pela ladeira acima. A sombra das casas estava mais fresco, as ruas tinham acabado de ser regadas. A água escorria ainda pelas bermas dos passeios. Essa zona, habitualmente agitada por uma azáfama ruidosa, estava nessa manhã mais sossegada; faltavam os vendedores que, Luisa ouvia quando criança. Nas ruas, mercadejavam peixe, e frutas e verduras, um sem número de desconhecidos tinham vivido, e sofrido e sido felizes ali. E Luisa era então dominada pela sensação de que este prodígio poderia tomar forma de um momento para o outro: por meio de uma escrita, de uma mensagem, de um encontro ou de uma aventura, como é comum acontecer em grutas e jardins encantados.
Estes passeios despertavam nela uma grande ternura. Estava afinada como uma corda de um instrumento em repouso que quaze não precisa de uma mão - uma brisa, um raio de sol bastariam para fazê-la vibrar. As coisa intactas envolviam-na como um clarão, visível mesmo aos olhos mais embotados.
Luisa lembrava-se daquele lugar. Era daquele local que se sentia forasteira, mas nunca deixaria de visitar. Não fazê-lo era o mesmo que abandonar o rio que corria dentro de si.
quarta-feira, outubro 26, 2005
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1 comentário:
Adorei ler!
Beijo grande
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