A maior parte das colegas que lá morreram não foi de fome mas de ódio.
Ter ódio diminui. O ódio mina o interior e ataca o sistema imunitário. O ódio acaba sempre por nos triturar por dentro. Foi preciso passar pelo que passei para perceber uma coisa tão simples.
Lembro- me quando tinha cinco anos de idade , fecharam-me na casa da lenha, os ratos por todo o lado , faziam circulo. Um deles quase roeu meu dedo anelar. Lembro dos meus gritos, ainda hoje os oiço na noite.Lembro-me da cara da freira, tinha os olhos amarelos. É a cor do ódio. Um dia não compareceu na camarata. Soube depois que tinha dado entrada no hospital onde ia ter de permanecer durante um tempo. Já não me lembro do que lhe aconteceu, mas dizia-se que tinha pacto com o Diabo.
Como é possível não ter ódio com tudo o que nos fazem sofrer? Como é possível ser maior, melhor e mais nobre que aquelas carrascos sem rosto. Como é possível ultrapassar os sentimentos de vingança e destruição?
Quando constatei que, eu não odiava, era sempre a primeira a perdoar, e tentar compreender o que estaria por tráz dos actos daquela gente, Havia algumas nas quais era visível o ódio, compreendi que elas seriam sempre as primeiras vítimas. Quem me ajudou a confirmar essa ideia foi Deus, o número 23, era assim que eu o imaginava, dando-lhe esse número. Dizia para comigo que ele se tinha enganado na profissão. Que fazia ele no céu? Devia ser carrasco.
Um dia fiz greve de fala. Mantive-me em silêncio profundo, nem uma palavra. Nem um gesto.
Esse sistema quase as enlouquecia , começavam a bater-me com a regua e a gritar, acompanhada de ameaças e insultos. . Por vezes a dor era difícil . Eu fingia que estava morta,
era eu e o silêncio combinado com as trevas.
Só pedia a Deus luz para poder afugentar aqueles bichos assassinos. Quantas vezes repeti para mim mesma: Estás bem Luisa, mas quiseram matar-te.
Tinha nascido para sevir, para executar qualquer tarefa da mais trivial à mais atròz. Nem um único sentimento. Nem uma única dúvida. Recebia ordens e cumpria-as com a firmesa do metal. Torturavam as opositoras ao regime com cuidado de um especialista. A dor já era minha companheira. Lutava para não cortarem meus longos cabelos louros, era a minha única ligação a mim mesma. Um dia na capela, pedia perdão a Deus em voz alta: peço-te que me perdoes, tenho sido má, terrivelmente má. Cuspia na comida delas, e deitava-lhe areia, desejo-lhes uma morte lenta e dolorosa. Mereço arder no inferno por tudo o que lhes faço. Mas Deus não me castigou. Não me recordo ao certo do dia, sei que era de noite, eu dormia por baixo da luz do Senhor. O tecto caíu por cima de duas colegas minhas, e tudo ardeu. Lembro que elas morreram queimadas. De cima duma janela os bombeiros conseguiram entrar, e mandaram-me pela janela para cima dum lençol.Eu chorei como nunca me lembro de o fazer. Apesar da minha pouca idade, eu sabia que a esperança era uma negação? A esperança era uma mentira com as virtudes de um calmante. Para ultrapassá-la, era necessário a gente preparar-se quotidianamente para o pior. Aquelas que não percebiam isso eram invadidas por um violento desespero que lhes causava a morte. Para me conseguir reerguer...Concentro-me e penso únicamento nas pessoas que amo , e nos amigos. E utilizo todas as minhas forças para Deus.
segunda-feira, junho 20, 2005
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