segunda-feira, junho 19, 2006

Sonho de criança

Sentada na fria soleira e abrigada do vento pela grossa cantaria oval da porta da igreja, eu esperei por ti... Mãe. Soprava das mãos o frio que tolhia os dedos, e batia no chão molhado os chinelos que não eram sufícientemente grossos para proteger os pés da humidade gelada daquela noite de Natal.
Prometeras vir e eu nem sequer me interrogava da verdade dessa presença que seria o presente mais importante que o Pai-Natal, em que eu já não acreditava, me poderia oferecer.















Como qualquer criança que coloca o sapatinho na chaminé e fica na cama, fingindo dormir, mas à escuta do mais leve ruído na cozinha, eu escutava quaisquer rangidos que me anunciassem os teus passos.

As badaladas do sino a cada quarto de hora, a cada hora, mantinham a minha cabeça desperta do sono e aumentavam a ansiedade e a angústia do tempo que passavam sem que deslumbrasse a tua imagem ao virar da esquina.
Segurava entre as mãos regeladas um frasquinho de lavanda, que comprei com as moedas tiradas do mealheiro com a ponta da faca, para que o meu pai não percebesse que gastava o dinheiro que pedia pelos santos populares, especialmente no dia de Santo Antonio.
Gostaria de ter um ramo de flores para te oferecer mas em Dezembro não havia flores, e assim, aquela água de colonia seria a minha primeira prenda, que irias guardar com tanta ansiedade como a que eu sentia quando a comprei sem conseguir evitar um sorriso trocista da Senhora da drogaria.
O sino bateu as doze badaladas e tu não apareceste. Em cada casa soavam as vozes alegres da ceia e os cântigos de graças pelo Menino que acabara de nascer.
Eu guardei o frasco na algibeira do bibe crispando as mãos e rangendo os dentes de frio, de dor e desilusão.
Na esquina da rua chocámos no nevoeiro, tu corrias ao meu encontro enquanto todos ceavam.
Aquela visão foi a minha melhor prenda de Natal.

1 comentário:

Anónimo disse...

Lindo. Real ou ficção, é simplesmente lindo.