quinta-feira, março 17, 2005

DEMASIADO

A canção do Elvis, era para mim um momento de grande emoção, Nas grades da sala de costura, encostava minha pequena cabeça loira.Como eu gostava de ouvir Elvis...Eu sabia que estava a ser cruel comigo mesma.Sonhava em ir para casa para perto dos meus irmãos. Talvez não no amanhã, mas podia ser em breve. Adorava ouvir a canção( Eu adoro Mã).Sonhava com natais brancos com a minha família.Estava sempre no meu espírito, sempre alguem ouvindo meu soluçar se aproximava. Não chores pequenina. Amava a memória da minha mãe só ela poderia compreender-me, saberia que eu não queria estar presa. Minha alma é de passarinho, eu estava quaze a enlouquecer.
Ao acordar, olhei à minha volta com uma sensação de irrealidade. Tinha cortado a artéria do pé, tinha acontecido outra vez. Penso que Deus estava zangado comigo não me queria junto dele. Era o meu segundo esgotamento nervoso, o sangue corria com muita força, comecei a sentir sono ,e não me lembro de mais nada! Tentei tomar consciência de todas aquelas coisas que deveriam ser-me tão famíliares, mas agora parecem ligar-me a um passado que me custa a crer que tivesse vivido. Estremeço ao lembrar-me de Elvis, a sua música volta a flutuar diante dos meus ouvidos . Outro estremecimento; inspiro freneticamente o ar pesado da salinha, para impedir-me de mergulhar outra vez na escuridão.Tinham chamado o médico depois de me encontrarem em estado de choque, estava morta por dentro. Estava novamente a comprimidos, desta uma dose mais forte.Durante algum tempo, até que o médico, que estava pouco à vontade , se sentiu na obrigação de me dar uma lição de moral. Não dei muito atenção ao que ele me dizia, os meus pensamentos estavam em Carminha e a carta. A carta!
Apalpei o bolso do roupão, à procura dela.Não estava lá. Alguém a tirou enquanto estive inconsciente. Tinha de me levantar e ir à casa de banho, cambaleante, o médico lançou-me um olhar supreendido. Sussurrei, para onde teria ido novamente a minha voz? O médico quaze me levou ao colo atè à casa de banho, empurrando a porta com um pé e apoiando-me contra a parede.
A tensão e a frustação cresceram dentro de mim.Estava destruída. Furiosa. Vi a tesoura no peitoril da janela. Peguei nela. Era fria e dura. Queria que alguém partilha-se o meu sofrimento, alivia-se a minha dor, mas ninguem se importava mesmo que eu morre-se, ninguem queria uma parte da carga.
Comecei a escortanhar meus longos cabelos. Compridas madeixas louras caíram no lavatório e no chão enquanto eu cortava junto ao couro cabeludo, deixando pontas espetadas em todas as direcções.A tesoura estava embotada. O que não consegui cortar, arranquei da cabeça, aos punhados, deixando manchas sangrentas, Insensível à dor. A angústia mental sobrepunha-se ao sofrimento físico. Estava a chorar a gritar. Já não tinha controlo sobre mim própria ou sobre o que fosse. Seria tão fácil morrer. Tão fácil morrer.
As palavras da carta esbateram-se. No lugar delas havia só escuridão. O túnel escuro, o meu refúgio querido e familiar, o meu santuário.
Estava a mergulhar novamente no esquecimento, e grata por isso.
Aquilo era demasiado. Demasiado

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