sexta-feira, abril 29, 2005

EXTREMOS

Hoje, sinto um conflito interior entre dois extremos. Quero deixar passar algumas lágrimas para me sentir melhor, simplesmente não saem. Assim que as recordações ameaçam invadir-me, mobilizo todas as minhas forças para as apagar, para as impedir de passar.Tenho de desenvolver um método artesanal para me livrar delas: respirar profundamente desde o estômago e concentrar-me apenas na respiração. Deixo que as imagens apareçam. Enquadro-as, desfazendo-me do que se mexe à volta delas. Pisco os olhos até as tornar desfocadas. Depois, fixo uma delas. Olho para ela durante muito tempo até que a imagem se imobiliza. Não vejo outra coisa senão essa imagem. Respiro profundamente pensando que o que estou a ver não passa de uma imagem que tem de desaparecer. Com o pensamento, introduzo outra pessoa no meu lugar. Tenho de me convencer que não tenho nada a ver com aquela imagem. Repito várias vezes: esta recordação não me pertence. Trata-se de um erro . Não tenho passado, portanto não tenho memória. Os meus sonhos são férteis. Visitam-me amiúde. Passam uma parte da noite comigo, depois desaparecem e deixam no fundo da minha memória restos da vida diurna.
Não sonhava com a libertação, nem com o tempo anterior a ter sido enclausurada. Sonhava com um tempo ideal, um tempo suspenso entre os ramos de uma árvore celeste. Se no medo é a criança em nós que acorda, neste caso era a doida e o sábio em mim que se debatiam arduamente para ver quem me levaria até mais longe de mim mesma. E eu, impassível, assistia com um sorriso nos lábios a esse conflito entre dois extremos.
No outro dia enquanto dormia gritei, minha cabeça pesava, não conseguia perceber se dormia ou sonhava. Acordei, senti-me enlouquecer, falo baixinho para não adormecer. Por vezes sinto frio e dores horríveis nas minhas artículações ficam todas bloqueadas, o medo apodera-se de mim. Os monstros não me deixam.
Nessa noite não consegui dormir. Embrulhei-me no lençol que me protegia e tapei a cabeça com medo do escuro. No dia seguinte, meio tonta fui para o trabalho e fiz o que precisava para lutar contra os fantasmas.
Antes de ir para a cama medito, percebo que há véus que caem uns a seguir aos outros até as trevas se tornarem menos opacas, até se poder entrever um pequeno raio de luz. Talvez seja invenção minha, fruto da minha imaginação. Mas convenço-me daquilo que vejo. O silêncio é uma via, um caminho para voltar a mim. Eu sou silêncio. A minha repiração, o bater do meu coração passam a ser silêncio.A minha nudez interior é o meu segredo. Não tenho necessidade de a exibir nem de a celebrar na solidão, que por vezes cheira a mofo.
Depois de algum tempo de grande lucidez, volto a cair no moinho que roda ao ralenti

quarta-feira, abril 27, 2005

FOTOS

Enquanto olho para um monte de fotografias que estão dentro duma caixa que eu guardo religiosamente eu penso: quantas daquelas pessoas já tinham falecido, tinham tido algumas experiências afectivas comigo. Pouquíssimas. Talvez uma ou duas. Mesmo assim, a maioria continuava na caixa como um ritual de lealdade. Lealdade é um dos sentimentos mais nobres do mundo.Enquanto escrevo penso nelas todas. Uma vez por outra, vou para a frente do computador, olho para o mar desconhecido da minha alma, vejo que dentro de mim existem duas ilhas - ideias que se desenvolveram e estão prontas para ser exploradas. Então, agarro no meu barco - chamado Palavra - e resolvo navegar para aquela que está mais próxima. No caminho, defronto-me com correntes, ventos tempestades, mas continuo a remar, exausta, agora já consciente que fui afastada da minha rota: a ilha que eu queria chegar deixou de estar no meu horizonte.
Mesmo assim, não posso voltar atrás; tenho de continuar de qualquer maneira ou ficarei perdida no meio do oceano - neste momento, passa-me pela cabeça uma série de cenas aterrorizantes, como passar o resto da minha vida a ver as fotografias já meio debotadas pelo tempo, e criticar-me amargamente se as rasgar.
Movida por estes pensamentos para mim assustadores, descubro uma força e uma coragem que desconhecia existir: elas ajudam-me a aventurar-me e rasgar algumas delas e entrar pelo lado desconhecido da minha alma, deixo-me levar pela corrente e acabo por ancorar o meu barco na ilha para onde fui conduzida. Passo tempos infinitos a descrever o que vejo, perguntando-me porque estou agir assim, dizendo a cada instante que não vale a pena a minha lealdade, que não tenho que provar nada a ninguém, que tinha de conseguir tirar aquelas fotos da minha vida, ter paz. aquela que eu sonhava, poder dormir.
A partir daí, deixo de ser a mulher perdida na tempestade: encontro-me comigo mesma. Em raros momentos, como este que está prestes a acontecer daqui a pouco, consigo olhar algumas das fotos, e olhar as pessoas nos olhos, e compreender que já não fazem parte da minha vida, e tentar perceber que também a minha alma não está só.
Tenho coragem.
Não, tenho medo. mas não tenho escolha

domingo, abril 24, 2005

O acomodador

O acomodador: Existe sempre um acontecimento nas nossas vidas que é responsável pelo facto de termos parado de progredir.Um trauma, uma derrota especialmente amarga, uma desilusão amorosa, até mesmo uma vitória que não entendemos bem, acaba por fazer com que nos acobardemos e não sigamos em frente. O feiticeiro, no processo de crescimento dos seus poderes ocultos, tem de se livrar primeiro deste" ponto acomodador", e para isso tem de rever a sua vida e descobrir onde está.
Nas últimas décadas, a expectativa quanto ao casamento como o caminho para a realização pessoal cresceu muito.A decepção e a insatisfação cresceram simultaneamente.
A ideia de que o amor leva à felicidade é uma invenção moderna, do final do século XVII. A partir daí, aprendemos acreditar que o amor deve durar para sempre e que o casamento é o melhor lugar para o exercer. No passado, não havia tanto optimismo quanto à longevidade da paixão. Romeu e Julieta não é uma história feliz; é uma tragédia. O acomodador! Isso combina com a minha aprendizagem de pintura - o único desporto que me atrai.
Vale a pena continuar a debruçar-me sobre este tema. E continuarei, mesmo sabendo que a minha alma, embora seja eterna, está neste momento presa na teia do tempo, com as suas oportunidades e limitações. tentarei enquanto for possível libertar-me desta teia, e estarei pronta para retomar o combate se as condições voltarem a ser favoráveis. Ao ver as mudanças nos outros , ganhei determinação, aprendi muito e quero continuar a aprender. Não quero ser. O acomodador.
Tive que começar a entender que o sabor das coisas conquistadas, é o mel mais doce que podemos experimentar.

sábado, abril 23, 2005

CREPÚSCULO

O crepúsculo passou, continua frio, mas agradável. Eu abro a varanda olho o céu e sinto-me tocar nas estrelas, oiço os grilos na noite. Na noite os sons da natureza são mais reais e me suscitam muitas emoções, do que objectos como carros e aviões. As coisas da natureza dão mais do que tiram e os seus sons levam-me sempre de volta para aquilo que é suposto ser real. Havia alturas, em África, depois de uma noite mal dormida, em que pensava muitas vezes nestes sons simples.Impedia-me de ficar louca.Para mim era a música de Deus, que me trazia á realidade.
E às vezes, como agora nos momentos imediatamente anteriores à chegada do sono, pergunto-me se estarei destinada a ficar para sempre só. E digo baixinho. Esta é a tua hora, o teu voo livre adentro do indizível, longe dos livros, da arte, do dia apagado, as lições feitas. Emerges e avanças totalmente, silenciosa, observando, ponderando nos temas que mais gostas. A noite, o sono, a morte e as estrelas. Fecho os olhos - sussurro, ponho as mãos no rosto e oiço o vento, enquanto ele se dirige para longe das montanhas.
Vagueio a noite toda na minha visão,...Inclino-me de olhos abertos sobre os olhos cerrados dos que dormem.
Vagueando confusa, perdida para mim, desamparada, contraditória. esperando, olhando, inclinando-me, e parando para que o sono me leve. sorrio - Faz-me ter menos medo - Sim confirmo.

sexta-feira, abril 22, 2005

QUANTAS VEZES

Ouantas vezes nós pensamos em desistir, deixar de lado, o ideal e os sonhos. Quantas vezes batemos em retirada, com o coração amargurado pela injustiça. Quantas vezes sentimos solidão mesmo cercados de pessoas. Quantas vezes sentimos o peso da responsabilidade sem ter com quem dividir. Quantas vezes falamos, sem sermos notados .Quantas vezes lutamos por uma causa perdida. Quantas vezes voltamos para casa com a sensação de derrota. Quantas vezes aquela lágrima, teima em cair, justamente na hora que precisa-mos parecer fortes. Quantas vezes pedimos a Deus um pouco de força , um pouco de luz. E a resposta vem, seja lá como for, um sorriso, um olhar cúmplice, um cartãozinho, um bilhete um gesto de amor. E a gente insiste. Insiste em prosseguir, em acreditar, em transformar, em dividir, em estar, em ser. E Deus insiste em nos abençoar, em nos mostrar o caminho, aquele mais difícil, mais complicado, mais bonito. E a gente insiste em seguir, por ter uma missão. E ser feliz.
A felicidade não é uma pousada no caminho...Senão uma forma de caminhar durante a vida.
Não importa se teremos tempo suficiente para ver mudadas as coisas e pessoas pelas quais lutamos, mas sim , que façamos a nossa parte, de modo que tudo se transforme a seu tempo.

Cada pessoa que passa em nossa vida, passa sózinho, porque cada pessoa é única e nenhuma a substitui outra.
Cada pessoa que passa em nossa vida, passa sózinha, mas não vai sózinha e nem nos deixará só, porque leva um pouco de nós, e deixa um pouco de si.
Há os que levam muito e deixam pouco, há os que levam pouco e deixam muito.
Essa é a mais bela responsabilidade da vida e a prova de que não nos encontramos por acaso.

quinta-feira, abril 14, 2005

ANSIEDADE

Meus sonhos caminharam no tempo e com a brisa.
Nos passeados campos da minha juventude.
Eles poisaram a sua mão sobre meus ombros.
E foram parte do tempo ansiado.
Trago Deus em mim e o mundo procuro.
Onde cravo um nome no espaço infinito.
Sabendo que o real se mostrará.
Pois nenhum outro senão o mundo tenho.
Na secreta nostalgia de um poema.
Trespassada de emoção e de segredo.

terça-feira, abril 12, 2005

AUSÊNCIA

Dizia para comigo:
Enquanto, olhava as águas profundas do pontão. Açores.
Pensava...A fé não é o medo. O suicídio não é uma solução. A provação é um desafio. A resistência é um dever e não uma obrigação: Conservar a dignidade o amor que eu sinto no meu peito, quaze consegue mover as águas do mar. Essa é a minha missão. Permanecer de pé, ser uma mulher, que ama, chora, ri, sofre com o mundo, mas serei sempre uma mulher, nunca um trapo, um farrapo ou um erro.. Não condenarei nunca aqueles, que me abandonaram em combate, que queriam que eu cede-se à tortura e que me deixa-se morrer. Aprendi nunca julgar as pessoas. Com que direito o faria? Não passo duma mulher como as demais, com vontade de não ceder. De onde vem esta vontade? De muito longe. Da minha infância.Da minha mãe que o seu único pecado foi amar demais os seus filhos. A minha mãe não esperava nada do meu pai, um bom vivant, um monstro egoista, um dandy que se esquecera que tinha família e que gastava todo o dinheiro com mulheres. Porque ele nunca me amou. Porquê? Infelizmente, demorei anos a compreênder, quando me destaparam os olhos só vi escuridão. E pensei que agora, estava numa prisão concebida por mim, onde estarei sempre às escuras. Sei que sou uma obsecada com uma coisa: O tempo. Um número 20587.
O tempo é o relógio e a minha ligação à vida deixada para trás ou por cima da minha cabeça.
Aquela luz, vinda do céu, é um sinal de Deus, da sua bondade. Senti-me calma, em paz e pronta para voltar a caminhar. Abri a carteira, precisava de me ver ao espelho, a chuva e o vento deixou marcas no meu rosto. Vendo meu rosto no espelho, meus olhos brilhavam. Eram talvez lágrimas ou talvez o sentimento que me enchia o peito.. Durante todo o trajecto reinou um silêncio pesado. Tentei manter a cabeça baixa. Acho que estava a chorar.
Quanto mais avanço, mais confiante me torno. Rezo, falo com Deus, sonho comigo em criança, e às vezes deixo meu corpo e observo-me com uma espectadora. Confesso que é muito difícil atingir esse estado, essa serenidade. Também lembro foi isso que minha mãe me ensinou. Lembro quando o pai a magoava gastando todo o dinheiro para as despesas da casa, ela renunciava a tudo, sem dizer a mais pequena maldade sobre esse homem, ensinava-nos a sermos responsáveis por nós mesmos. As fúrias dele, as injustiças, sempre me atingiam. Sempre admirei a mãe por nunca perder o sangue frio. A única altura em que perdia a cabeça era quando eu me escondia debaixo das camas. Depois de me bater com o chinelo dizia: Vocês são todos meus filhos, mas tu és a minha doninha. A minha menina, és os meus olhos, a minha respiração. Durante anos, ia fechar-me dentro do armário onde estava pendurados alguns dos seus vestidos. Ali, podia sentir o seu perfume, que vinha da sua roupa.
Enquanto caminho, falo com minha mãe, hoje olhei o mar e não encontrei teu rosto nas águas. Aos poucos vais mudando de sítios, só não sais do meu coração. Mas chegou a hora de te dizer Adeus! Adeus.
Chegara a hora. Tinha que tentar esquecer seu rosto, deixar de viver a sua vida, libertar-me.
Deixar a execução sumária ou sessões infinitas de tortura, ser eu...Viver para as pessoas que eu amo.
Caminho, e limpo as lágrimas e digo para mim mesma - Ajuda-me, mãe, ajuda-me a lembrar-me quem sou. Ou pelo menos quem era. Sinto-me tão perdida. Olho as águas oiço uma vóz dentro de mim - Tu és a minha menina, uma amante da vida, uma força para aqueles que partilham da tua amizade. És uma criadora de felicidade, uma artista que amou e ajudou dezenas de almas. Viveste uma vida cheia e nunca nada te faltou porque as tuas necessidades são espírituais e só tens de olhar par dentro de ti. És bondosa e leal e és capaz de ver beleza onde os outros não vêem. És uma professora de maravilhosas lições, uma sonhadora de coisas melhores. Paro por momento e retomo o fôlego. Depois: - Luisa, não há motivo para te sentires perdida, porque:
Nada está de facto perdido, nem pode ser perdido.
Nascimento, Identidade, forma. As cinzas que não ficaram de fogos anteriores...Devidamente não se inflamarão outra vez.
No silêncio, dos meus passos, olho o mar e vejo que a chuva já parou. O sol começa a filtrar-se dentro do meu coração, e fui para o hotel.
Ao relatar este dia; Pergunto: Se fui eu que escrevi isto? Não. Foi a minha alma.
Sou apenas...Uma amante de palavras, uma modeladora de pensamentos.

sexta-feira, abril 01, 2005

MEU SELF

Não , eu nunca iria esquecer.
Mas eu não me preparara para tudo aquilo. Depois de visitar boa parte do vale, e sem querer perder qualquer detalhe do espectáculo do pôr do sol, decidi subir sózinha a encosta da serra de Sintra. Sem pensar nas difículdades - caminhar nas regiões muito altas exige esforço ainda maior - enfrentei a subida íngreme. Em meia hora venci a escalada, o coração a saltar-me pela boca. Lá em cima, bem perto da borda sentei-me sobre uma grande pedra e esperei que o fôlego voltasse. No chão, juntei os pés, olhei o céu pareceu-me um cristal transparente e brilhante atraiu o meu olhar. Pensei. Como eu ali em cima era livre, e podia procurar o meu self, e tive consciência de que com aquele acto incorporava a própria natureza.
Uma emoção inesplicável tomou-me quando me senti imersa na própria substância móvel daquela borboleta cósmica. E, num sobressalto, reconheci a presença: era a minha mãe, vinha dos ventos para me acariciar.Quando ouvi então uma voz falar dentro de mim: Sim, sou tua mãe. Sou a voz do vento e vim dizer-te que és a minha menina e eu estarei onde estiveres, e sempre te vou proteger.O vento não sabe de onde venho e nem para onde vou. Não procures tantos signifícados e explicações, não formules tantas perguntas. Apenas ama as pessoas por mim. Ama o mundo, e dança no vento , solta teu espírito confia em mim. Tu foste feita para voar, não para te manterem prisioneira. Tu és feita para dançar no ar, como danças nos teus sonhos. Não talvez com esse teu corpo de menina, mas certamente com os teus outros corpos. Irás dançar como corpo das tuas emoções, do teu sentir e do teu pensar. Irás dançar com o corpo da tua alma. Basta deixar rolar, deixar rolar o teu amor.
A visão desfez-se. Abri os olhos. O vento cessou e a noite caíra sobre o vale de Sintra. Tudo estava em paz quando desci a encosta em direcção aos meus filhos que me esperavam lá em baixo. Não sei quanto tempo fiquei lá em cima parada, absorta, vivendo a mesma indestrutível magia.
Foi essa providência que me permitiu experimentar, com o tempo e tranquilidade, a forte vibração que emana daquelas paisagens. E reflecti sobre o signifícado daquela magia.
Até hoje não sei bem por qual razão Sintra despertou em mim uma afeição tão especial por todos os seres humanos.. A humildade inundou meu coração e meditei sobre o segredo e magia daquele dia.